"Philomena" narra a história real de Philomena Lee, uma senhora irlandesa que fora criada por freiras em um convento. Quando era ainda muito jovem engravidou de um rapaz com quem teve um breve romance, como punição, ficou trabalhando para o convento em um regime basicamente escravista, podendo ver seu filho por apenas 1h todos os dias. Quando a criança tinha 3 anos, foi adotado sem que ela ao menos tivesse a chance de dizer adeus, e desde então, 50 anos se passaram e ela nunca mais soube de seu pequeno Anthony, restando apenas uma foto guardada e as recordações.
O que pensar de uma trama como essa? Um drama pesado, não? Bom, não. Esse é o ponto fundamental desse filme tão brilhante, ele consegue ter a carga emocional exata para contar algo tão penoso e revoltante quanto um filho sendo arrancado de uma mãe, porém com o mais delicioso humor britânico (sim, o humor é britânico, porque é bem negro e seco) e a mais pura doçura de uma senhora de quem tiraram um dos melhores prazeres em ser mulher: a benção de ser mãe. Philomena passou por um parto pélvico sem anestesia, e não pôde conviver com seu bebê, trabalhou como uma escrava, e ainda era forçada a acreditar que todo este sofrimento era penitência por um pecado que ela nem ao menos compreendia, e ainda assim permaneceu com o mais nobre dos corações, sem sentir raiva ou revolta por ninguém que lhe fez mal, e acima de tudo, com a fé em Deus inabalável.
O filme foca na relação de Philomena com o jornalista Martin Sixsmith (que veio a escrever o livro no qual o filme se baseou "The Lost Child of Philomena Lee"/ O Filho Perdido de Philomena Lee - tradução livre), um homem cínico, incrédulo e amargo, cuja carreira estava indo por água abaixo, acabava de ser afastado do emprego por algo que ele não cometera e estava procurando por alguma nova matéria para se reerguer no meio jornalístico. Mas sua área estava longe de ser casos como o de Philomena, que ele chama de "histórias de interesse humano", porém sem muita escolha, ele acaba aceitando ajudá-la a procurar seu filho, por intermédio da filha dela, com finalidade de escrever uma matéria sobre o caso.
À medida que os dois vão se envolvendo na busca de Anthony, a relação entre eles vai se tornando mais pessoal e, obviamente, vem a amizade, e é quando nos apegamos aos personagens. O cinismo dele bate de frente com a eterna bondade dela, e é difícil se manter tão incrédulo em relação a humanidade quando se vê que existem pessoas como Philomena, alguém que o mundo simplesmente castigou de todas as maneiras que é possível alguém ser castigado, e ainda assim ela possui uma generosidade ímpar, plena e sincera. E para ela, estar ao lado de alguém tão mais duro, que consegue se impôr - coisa que era seu ponto fraco, tendo em vista sua gentileza - é de fundamental importância para chegar mais perto de desvendar o que aconteceu com o filho perdido.
Em meio à muitas risadas e muitas, mas MUITAS lágrimas o filme caminha para o desvendar da história. Descobrimos que Anthony havia mudado de nome para Michael Haas, fora adotado por uma família americana, por um esquema de comércio de crianças praticado pelo convento. Juntos, Martin e Philomena vão para os Estados Unidos e chegam ao fundo da coisa toda.
"Philomena" é um filme, acima de tudo, de questão social, pois como a real Philomena Lee declarou, ela foi apenas uma representação de muitas, porque houveram outras jovens - e não foram poucas - como ela que perderam suas crianças forçadamente, de maneira covarde, e nunca conseguiram reencontrá-las. A causa do filme é lindíssima e importante, porém sua mágica está mesmo em sua narrativa, em como conseguiram transformar uma história tão triste e dramática, em uma dramédia chorosa, porém com um gostinho de "Quer saber? Talvez esse mundo não esteja tão perdido se ainda existem pessoas como essa mulher". No final das contas, a mensagem do filme é tão positiva, mesmo não tendo um final exatamente feliz.
A atuação de Judi Denchi é, sem medo de exagerar, um esplendor, um show à parte. Ela é divina. Uma atuação digna de todos os elogios possíveis. Com um olhar dela, nós sentimos toda a inocência, sinceridade e a tristeza de uma mulher que nunca mais vai se sentir completa, porque para sempre vai faltar uma parte dela, que já não é mais possível reintegrar, que foi arrancada, sem que ela tivesse qualquer chance, e o tempo passou e é um dano irreparável. E mesmo assim, ela não carrega o menor rancor, e ainda perdoa mesmo sem que lhe peçam perdão. E Denchi consegue passar toda essa nobreza misturada com dor, toda a maternidade guardada e que nunca vai poder ser usada. A vontade de abraçar e de ser a mãe de um filho que ela nunca será. E por muitas vezes, ainda acha graça, faz piadas, é feliz. Maravilhoso.
A direção de Stephen Frears também merece ser mencionada, a câmera sempre procura mostra o lindo cenário da Irlanda, e o filme tem uma bela fotografia. Steve Coogan também está muito bem como o cínico repórter que aos poucos vai se envolvendo cada vez mais com a história de vida de uma simples senhora, e por fim, acaba se deixando levar mais por seu coração do que por suas eternas descrenças. Ah, e o sotaque dele também ajuda muito na comédia!
Enfim, o filme é magnífico, mostrando mais uma vez que o Oscar 2014 está sensacional, e Philomena conseguiu um lugar muito bom no meu ranking dos melhores. Espero, sinceramente, que leve algum prêmio, pois merece, sem dúvida, poucos filmes conseguem ao mesmo tempo ser tão doce com uma história tão cruel, e esse conseguir com maestria.